sexta-feira, 16 de julho de 2010

O Texto sobre Nosso Herói: Seu Onofre

A elaboração do texto referente ao Seu Onofre partiu de uma reflexão de que as soluções dos Problemas-Macro sempre serão obtidas a partir do somatório de soluções dos Problemas-Micro que os compõem.

Entretanto, as pessoas possuem verdadeira fixação e adoração em tratarem, discutirem e analisarem os Problemas-Macro, já que estes se apresentam com maior charme. Seja numa refeição dominical em evento familiar ou seja numa mesa de bar com amigos é muito mais pomposo falar-se da Política Nacional de Recursos Hídricos, do que visitar a sede da Administração Regional do seu bairro e realizar um levantamento sobre as condições atuais dos rios, riachos e lagoas que lá existem.

E como as organizações de nossas sociedades urbanas baseiam-se principalmente em condomínios horizontais e verticais, nossa estória foi protagonizada em torno de uma reunião de condomínio, na qual o Nosso Herói - Seu Onofre seria o eleito para novo mandato de Síndico do Condomínio.

Desejamos daqui Muitas Felicidades e Muito Sucesso ao Seu Onofre em seu mandato de Síndico.

SEU ONOFRE

Abril/2004

A tarde já ia avançada, quando os irmãos dialogavam sobre como convencer ao pai da importância de seu comparecimento àquela importante reunião no prédio em que moravam; era dia de Eleição de Síndico.

As duas facções já estavam bem avaliadas, e o voto do 302 seria capital na definição da eleição. De um lado a Situação, cuja candidata à quinta reeleição era Dona Vitória, esposa do Dr. Waldomiro (importante empreiteiro de obras públicas), aquele dono do Honda Accord. Representando a Oposição, candidatou-se o Seu Onofre, médico (clínico geral) aposentado, que após 55 anos de trabalho na Prefeitura, vislumbrava a oportunidade de implantar suas idéias comunitárias, e que foram construídas ao longo de sua vida.

“Eu aposto que ele vai entrar por aquela porta, se dizendo muito cansado, com uma postura como se estivesse carregando um casaco de pedras, afirmando que trabalhou como um cavalo e que foi muito difícil matar o leão de hoje”, presumia Mônica.

Rogério deu uma risada da simulação feita pela irmã, e adicionou: “largará o casaco sobre o sofá, e nos dará um beijo protocolar, dizendo que não temos idéia do sufoco que é, nos dias atuais, levar para casa o sustento da família.”

A conversa prosseguia, enquanto cortavam o tecido que haviam comprado para elaboração de uma faixa: “VOTE EM SEU ONOFRE !”

“Você quer apostar, como ele vai sentar na mesa de jantar e, com uma pose de Embaixador da Dinamarca, contar alguma importante informação que obteve durante o dia, sobre o debate amanhã na TV, do tipo: Fulano me garantiu que no debate o Collor vai provar a total incompetência administrativa da equipe do Lula”, dizia Mônica.

Rogério lamentou a mãe só poder estar presente na hora do jantar, pois era o horário que se liberava da sua atividade de voluntariado no Ciep do bairro, coordenando a Oficina de Matemática. Senão poderiam armar com ela, ainda durante a tarde, uma forma de convencimento mais radical: “ou vai à reunião, ou dorme na sala”. Os dois riram muito!

As plataformas de trabalho das duas chapas já eram bem conhecidas: Dona Vitória, como nas outras disputas, prometeria diminuir as despesas (fato que nunca aconteceu), que consertaria os brinquedos do play, que economizaria demitindo mais um empregado, e que proibiria a presença de cães no prédio. Enquanto que Seu Onofre implantaria serviços e atividades comunitárias, privilegiando os empregados, os idosos e as crianças. É fácil prever que todos os jovens do prédio estavam em polvorosa, apoiando as idéias inovadoras do Seu Onofre. Só faltava a confirmação do 302.

Escolhem o padrão da letra a ser utilizada na faixa, desenham e colorem o texto revolucionário: “VOTE EM SEU ONOFRE !”. E vão se preparar para o grande embate com o pai.

Chega a hora fatídica, com o virar da chave na porta: era a mãe, trazendo a lasanha da Veronese, que seria o jantar. Não deu nem tempo de explicarem para ela o que estava acontecendo, chega o pai.

Ao passar pela porta, os jovens caem numa gostosa gargalhada, ao verificarem a postura pesada que aquele trabalhador adentrava à sala. Mônica e Rogério não se continham. Os pais atônitos não conseguiam decifrar qual o motivo das risadas.

O pai deu os beijos tradicionais (alimentando mais ainda as risadas) e soltou a frase lapidar: “Trabalhei hoje como um escravo”.

Nesta hora, os dois já estavam rolando no tapete da sala, num acesso de riso que se aproximava de uma síncope.

A mãe sem entender nada foi acabar de colocar a mesa, e o pai largou o paletó na sala, e foi lavar o rosto para o jantar, curioso e meio irritado com a cena da sala.

Ao sentarem-se, o pai foi logo passando o prato para que fosse servido, quando tomou fôlego e confirmou, tim-tim por tim-tim, a previsão dos jovens sobre a pose do Embaixador da Dinamarca, e sua frase bombástica: “Meu chefe me confidenciou no almoço de hoje que o Collor tem munição suficiente para detonar o Lula no debate de amanhã e, assim, podemos dormir tranquilos que o país está a salvo.”

Neste momento, o clima de preocupação quanto à reação do pai já estava instalado, tanto assim que eles nem riram da confirmação sobre o Embaixador da Dinamarca e sua fala.

Sabedores que não poderiam perder muito tempo, pois a reunião seria iniciada daí a 1 hora, Rogério lascou a primeira frase: “Pai, acho que você tem um problema: hoje é dia da reunião de condomínio, e precisamos que você compareça.”

A mãe interrompeu a garfada, e perguntou preocupada: “Vocês estão metidos com algum problema sério aqui no prédio?”

O pai emendou de bate-pronto: “Olha bem o que vocês andam aprontando por aí, enquanto eu e sua mãe lutamos para trazer tudo o que é necessário aqui em casa.”

Mônica irritou-se com o pré-julgamento dos pais e começou sua fala: “Pópará.....o que está acontecendo é que hoje é Dia de Eleição de Síndico, e nós precisamos que você vá lá e vote no Seu Onofre.”

“Você acha que eu vou perder meu tempo com reuniões desse tipo.....eu ainda nem cheguei direito, e vocês vêm propor esta loucura de participar de eleição....até parece que eu passei o dia sem fazer nada, de papo para o ar, na praia.....e olha, eu já aviso, não vou de jeito nenhum, pois senão acabam me dando alguma função na administração do prédio....trabalho eu já tenho demais, não preciso de atividade e nem chateação adicionais”, rebateu o pai.

Então foi a vez de Rogério atacar com suas armas, pois sabia que aquele era o momento de definição: “Olha pai, ou você comparece à reunião e vota no Seu Onofre, ou assina uma autorização para que votemos por você.”

O pai interrompeu, e rindo de forma de deboche perguntou: “Seu Onofre lá é nome de síndico? Quem é Seu Onofre? Agora é que a coisa ficou clara. Não vou de jeito nenhum, ainda mais para votar num candidato com este nome.....Seu Onofre.....hahaha.”

Então Rogério inflamou-se e, como uma metralhadora, disparou contra o pai várias rajadas:

“Você sabia que a Dona Vitória vai adicionar uma cota extra para obras para reformar o hall de entrada do andar dela?”

“Você sabia que ela vai demitir o Seu Francisco (porteiro antigo do prédio) porque ele não lavou o carro dela?”

“Você sabia que ela vai proibir que as crianças usem o parquinho, porque fazem muito barulho?”

“Enquanto isso, o Seu Onofre vai implantar um serviço de atendimento médico e dentário para os empregados do prédio, vai criar uma horta comunitária, vai criar a atividade de alfabetização de adultos (nesta hora, a mãe levanta os olhos do prato), vai nos ensinar a reprocessar plástico, papel, alumínio e vidro e vai criar uma oficina de artes para a terceira idade.”

O pai ia tentar responder, mas foi interrompido por novo bombardeio de Mônica.

“Pai, você é muito gozado, pois fica cheio de pose falando de Lula e Collor, de governador e vereador, etc... e tal, mas não percebe que é aqui no prédio que se inicia nossa vida politica. “

“Você paga uma série de impostos e taxas e nem sabe dizer para onde vai este dinheiro.”

“E na hora que você tem de iniciar uma participação política mais ativa aqui no prédio, você reage como um troglodita, repudiando a oportunidade de REALMENTE PARTICIPAR POLITICAMENTE.”

“O Plano de Governo do Seu Onofre abrange até a união com outros condomínios que também pensam e agem como ele, para forçar a Administração Regional a melhorar as condições das escolas, hospitais e de nossa segurança. Isso é fazer política.”

Rogério prevê a vitória, e solta o argumento definitivo: “Você sabia que a Dona Vitória vai proibir cachorros no prédio?”



O espanto é geral, a começar pelo Campeão (labrador da casa) que, sabendo que estavam falando dele, levantou as orelhas.

O pai agigantou-se e falou: “O Campeão daqui não sai!!!!”

Olhou para a esposa, meio atônito ainda, perguntando: “E você o que acha?”

“Amor, acho melhor você tomar banho antes de descer.” respondeu.

A vitória já era total.

E foram dar os retoques finais na faixa vitoriosa:

" VOTE EM SEU ONOFRE ! "

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