segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A CAMISA

Este texto é um dos poucos deste livro que possui uma pequena base biográfica. Tentei registrar numa folha de papel em branco, o branco pelo qual passam todos os garotos, num momento de enfrentar uma seleção, seja na sala de aula, seja no clube quando da formação da equipe, seja na pelada, etc...

Como pano de fundo, às vezes aparecendo como o pano de frente, a narração é feita pelos olhos do avô, este ser que a tudo vê, e que por todos sofre.

Fica aqui a singela homenagem a todos os avôs e avós do mundo.

TIM-TIM !!!


A CAMISA




Noite de sexta-feira e a brisa do mar soprava pela janela do quarto. Como de hábito, ligara o rádio para ouvir aquele programa que eu tanto adorava – Balança mas não cai. Contrariando a rotina dessas noites, Carlinhos ainda não tinha vindo se deitar em minha cama para darmos gargalhadas. Alguma coisa angustiava aquele menino que, nos seus 9 anos, vagava pela casa. Lembro que naquela tarde ao voltar do colégio, ele já não tinha querido disputar nosso gol a gol no corredor do apartamento. Pelejas que sempre se encerravam comigo contando proezas dos tempos de goleiro do América, e que tanto prazer me davam ao relembrá-las junto ao meu neto.



O programa já ia pelo meio quando ele entrou no quarto e, sentando ao meu lado, fingiu escutar aquelas gostosas trapalhadas entre Primo Rico e Primo Pobre. Fiquei calado, aguardando que aquela angústia fosse colocada sobre a cama. Pimba, entra o anúncio e o garoto me diz:

- Vô, será que eu consigo uma vaga no jogo de amanhã?



Ao perguntar qual seria o jogo, ele me explicou que no dia seguinte, haveria um desafio entre os garotos da General Osório e os da Nossa Senhora da Paz. Eu costumava assistir aos seus jogos, nos finais de tarde à saída do colégio, no campo improvisado na calçada da Praça General Osório. Ficava observando da esquina aquele menino desajeitado se atrapalhando entre pernas longas e a famosa bola. Mas, quando os centros vinham para a área, ele, saltando mais que todos, fazia belos gols. Eu, por dentro, dava pulos e murros no ar, vibrando com mais um golaço de Carlinhos. Ao voltar para casa, perguntava como tinha sido o jogo. Ele contava dribles que gostaria de ter dado, lançamentos que a zaga adversária havia cortado e, quando perguntado se tinha feito algum gol, se empertigava todo. Sorrindo, fazia o gesto das suas já famosas cabeçadas.



Ele me disse que cada time teria 11 jogadores e o jogo seria na calçada da Prudente de Moraes. O técnico seria o Seu Enéas, dono da farmácia da Gomes Carneiro, já tendo inclusive comprado um jogo de camisas azuis, com número e tudo. Expliquei que não existia em toda Ipanema centro-avante com tão certeira cabeçada quanto ele. Seu Enéas não seria maluco de deixá-lo fora do time. Parecendo acreditar em minhas palavras, adormeceu. Fiquei imaginando a frustração que seria para aquele menino, caso fosse barrado. Acabei dormindo, mas com um sono entrecortado, pois eu também estava preocupado.



Acordamos juntos, assim que os primeiros raios solares invadiram nosso quarto. O jogo seria às 9 horas. Armando, meu neto mais velho, também estava agitado. Ele sabia do jogo da vida do irmão e logo começou a engraxar seu tênis. Armando devia imaginar a preocupação do Carlinhos, ele que já era lateral esquerdo do Alvorada, time de futebol de praia. Nós três engolimos o pão e o mate, seguindo para o local da peleja. Se eu já estava preocupado, fiquei mais ainda, ao ver a multidão de garotos que ali estava para disputar uma das camisas azuis.



Da outra extremidade da praça, vem outro bando de garotos. Era a turma adversária e sua torcida. Eles trouxeram até o padre da Nossa Senhora da Paz. Alguém me toca o ombro e vejo Almeida, padrinho de Carlinhos, acompanhado de César e Amanda, pais dos meninos. Eles foram convocados pelo Armando. Da Gomes Carneiro, vem o Enéas. Carlinhos, mais angustiado ainda com a presença de sua torcida familiar, buscava o meu olhar de apoio. Eu sorria de nervoso. Percebo Enéas iniciando a distribuição das camisas. Grande confusão. Daquele bolo, sai Carlinhos com a de número 6. Alegria total. Armando não se conforma, pois só ele era canhoto. O irmão, sendo destro, não podia ficar na lateral esquerda. Carlinhos explica que era a última camisa a ser distribuída. Armando entendeu que ou seria aquela ou nenhuma, e se acalmou. Dou as últimas instruções ao neto dizendo que, em nenhuma hipótese, virasse de frente para o gol dele, e sempre chutasse forte para onde o nariz estivesse apontando.



Começa o jogo. Após uma série de chutões e caneladas encerra-se o primeiro tempo. Carlinhos havia tocado duas vezes na bola, sendo a primeira um chutão na direção do lago e a outra na direção do ponto do ônibus 12. Foram os chutes mais fortes de todo o primeiro tempo. Abracei meu atleta, e disse que ele tinha sido o melhor em campo.



No segundo tempo o adversário inclui dois craques do Morro do Pavãozinho, numa nítida atitude anti-desportiva, pois estes craques moravam mais perto da General Osório. Na discussão, até o padre se meteu, vencendo a disputa com o argumento de que o futebol deveria permitir o ingresso de todas as classes sociais. O clima ficou pesado, e o jogo se aproximava do final, quando surge a oportunidade do time da General Osório. Córner a ser batido. Me agito e oriento Carlinhos para disputar aquela cabeçada. Silêncio total em Ipanema. A bola é lançada bem alto. Eis que surge um magrelo que, com uma linda cabeçada, vence o goleiro adversário. Gol de Carlinhos.



A torcida invade o campo. O jogo foi ali encerrado, sob protestos de toda torcida adversária, inclusive do padre, que prometeu castigo a todos, proibindo a entrada nas matinês do Cinema Pax. A família toda abraçada. Amanda abre a bolsa, e põe no peito do menino, uma antiga medalha da coleção de César. Armando conduz o irmão nos ombros, durante a volta olímpica. Aquele menino aprendeu que, ao longo da vida, outras camisas ainda teriam que ser disputadas. Algumas ele iria conseguir, outras não. Estava pronto para seguir adiante. No banco daquela praça, chorei.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Praia

Hoje, vamos passear um pouquinho por um dos meus cantinhos preferidos do Rio de Janeiro... o Arpoador.

Formação rochosa que me acompanha desde a minha infância.

Ali assisti a várias chegadas das famosas regatas Buenos Aires - Rio. Dali assisti a alguns eclipses. Ali meditei. Também foi ali que busquei o equilíbrio.

Em homenagem a esse belo recanto, eu redigi o poema A Praia, assim que retornamos de nosso período de São Paulo.

A PRAIA


Ao Rio de Janeiro retornar,
Após um exílio profissional,
Levei meus filhos a passear,
Pela minha praia, o meu quintal.


Andamos em Ipanema,
Pelas areias a sonhar,
O tempo voltou correndo,
Para minha infância recordar.


Na Montenegro começou a caminhada,
O Castelinho atravessamos correndo,
Então demos a primeira mergulhada,
Pois o calor já estava derretendo,


Num pulo já estávamos no Arpoador,
Um dos paraísos desta cidade,
Meus sonhos ganharam cor,
Ali explodiu uma grande saudade.


Conheci aquele local,
De areia, pedra e mar,
Levado por minha mãe,
Para aprender a nadar.


Sempre que o tempo permitia,
Ao Arpoador retornava,
O mar nunca me mentia,
Ele sempre me ajudava.


Mar sem bocas, buracos e surpresas,
Sempre convidava para novo mergulho,
Ali o homem ainda era nobre com a natureza,
O som das ondas era o único barulho.


A pedra começamos a escalar,
E logo chegamos ao Samarangue,
De onde os meninos pulavam,
Em grupos, bandos e gangues.


Nadavam até a arrebentação,
E como vitoriosos,
Numa grande curtição,
Desciam as ondas em jacarés vistosos.


Prosseguimos na pedra caminhando,
E logo alcançamos o Pontão,
De onde, só meu irmão pulava,
Pois ele tinha permissão.


Ao seu lado o Salseiro imponente,
Pedra alta, redonda e forte,
Que em dias de mar bravio, metia medo na gente,
Assustava pelo cheiro de morte.


Prosseguimos em nossa andança,
Passando pelos pescadores,
Que naquela época, de linha ou de arpão,
Pescavam garoupas, polvos e cação.


Chegamos ao lado oposto,
Passando por casais de namorados,
Que para ali se refugiavam,
Ficando a namorar, sentados, deitados.


Da ponta da pedra, avistamos o Forte Copacabana,
Depois da Praia do Diabo,
Na ponta da pedra, o seu canhão reluzente,
Apontado sempre para o Sol nascente.


A função que seu projetista lhe deu,
Foi disparar, alardear,
Toda vez que o dia nascer,
E o Sol não despontar.


Tiros deu mais de cem,
Foi meu pai quem me contou,
Que a medalha que ele tem,
É que nunca ninguém acertou.


Forte que não conheceu torturas,
Nem na época das ditaduras,
E assim o Governo o promoveu,
Para o alto posto de Museu.



Retornamos à Praia do Arpoador,
Mais uma vez passando pelos namorados,
Que observavam o Redentor,
Enrolados, entretidos, amassados.


Assim acabávamos o passeio,
Com água de coco comemorado,
Que gostoso este devaneio,
Desta viagem ao passado.


O pôr do sol se anunciou,
Começava o seu mergulho no mar,
O céu avermelhou,
E a natureza a este show comandar.


Meus filhos perceberam certamente,
O tamanho da minha emoção,
Hoje eles são semente,
Eu, recordação.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ESTAÇÕES

Chegou a vez de publicar neste Blog do Cid, o texto Estações, elaborado em homenagem a uma pessoa maravilhosa ... a Tia Sonia.


Tia Sonia é dessas pessoas super-especiais, que a todos recebe logo com um sorriso nos olhos, para depois tê-lo nos lábios.


Com humor super-afiado, está sempre atenta para adicionar suas doses de saudável humor.


Em seu aniversário, este texto tentou reproduzir esta aura tão especial que nos afaga a todo instante.


ESTAÇÕES


Novembro / 2006



Cada um de nós veio aqui esta noite,

Percorrendo os trilhos que conduzem nossas vidas,

E tripulando os respectivos trens.



Chegamos nesta estação

De celebração ... de festa.



Você tem conduzido sua composição de forma que

Na Estação de Sofrimento, deixa na plataforma a passageira Dor,

Embarcando a Resignação.



Na Estação de Vitória, você despacha a passageira Arrogância,

Embarcando a Humildade.



Na Estação Derrota, fica na plataforma a passageira Tristeza,

Embarcando o Aprendizado.



Na Estação Perda, deixa a Revolta,

Embarcando a Saudade.



E nas Estações Festa e Comemoração,

Entram todos,

Desde a Euforia, passando pelo Sorriso, pela Alegria,

Pelo Equilíbrio, pelo Sorriso, pela Alegria,

Pela Harmonia, pelo Sorriso, pela Alegria,

Pelo Sorriso, pela Alegria,

Pelo Sorriso, pela Alegria,

Sorriso, Alegria,

Alegria.